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Isabel Rio Novo e o encontro com Camões

PORQUE NEM TUDO SEJA FALAR-VOS DE SISO

Cresci numa época de renovação dos estudos camonianos, que arrancou com as iniciativas em torno da comemoração do 4º centenário de «Os Lusíadas». Ainda eu não sonhava que um dia iria biografar Camões, já as Reuniões Internacionais de Camonistas, o Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos ou o Dicionário de Camões, organizado por Vítor Aguiar e Silva (entre outros), acrescentavam novas partes, progressivamente libertas das peias que durante o Estado Novo tinham refreado (também) novas perspetivas sobre Camões, ao enorme edifício camoniano.

Artigos, ensaios, monografias, teses… Centenas de obras que leio e que devo ler, ainda que a minha demanda seja a da biografia do autor e não propriamente a análise da obra – questão de perspetiva, já se vê.

Porém, quanto mais progrido na leitura de tudo quanto antes de mim se escreveu sobre o meu biografado, mais percebo quão indispensável é a releitura das fontes, mesmo que elas sejam escassas, mesmo que já tenham sido examinadas centenas de vezes.

Poucas vezes, nos últimos tempos, avancei tanto no meu grau de conhecimento de algumas dessas fontes como com o recentíssimo livro de Felipe de Saavedra, «Epistolário magno de Luís de Camões», cujo primeiro volume acaba de ser editado pela Canto Redondo.

Camões terá escrito muitas cartas. Algumas são conhecidas, mas constituem um bom exemplo de informação quase completamente descurada do ponto de vista biográfico, seguramente por oferecerem uma imagem do grande épico contrária à do discurso oficial.

Felipe de Saavedra, que se propõe publicar em cinco volumes um epistolário magno de Camões, apresenta neste primeiro volume uma edição crítica, analítica e comentada da carta “Porque nem tudo seja falar-vos de siso”, a qual já ninguém de boa fé duvida que seja de Camões, mas de que tantos estudiosos fugiram como o diabo da cruz.

Tal não é o caso de Saavedra, que oferece em “duas centenas e meia de páginas o estudo de uma carta de cem linhas que está longe de estar esgotado, se é que algum dia o estará.”

Anuncia ainda Saavedra: “A recolha completa do carteio de Camões deverá amontar a muitas dezenas de peças, pelo que o presente projeto editorial não é um ponto de chegada, mas antes um de partida.”

Mais uma vez, não é novidade que haverá outras cartas de Camões, ainda inéditas, escondidas em manuscritos e miscelâneas. Procurá-las, identificá-las, compulsá-las, dá muito trabalho. Aferir da sua autenticidade e autoria, transcrevê-las, estudá-las, editá-las, dará muito mais. Espero sinceramente que Saavedra as tenha encontrado e as divulgue em breve.

Entretanto, quem quiser pensar numa prenda de Natal para algum apaixonado de história da cultura e/ou de Camões, considere esta edição cuidada, com reproduções magníficas de pinturas da época, frontispícios de livros e páginas fac-similadas, que para mais oferece um encarte da carta editada e respetiva leitura.